Friday, October 27, 2006

Numa sala de espera qualquer

-Que horas são, menina, se faz favor?
-Nove e cinco.
-Olhe, é que eu tenho que tomar o remédio às 10. Hoje não trouxe o relógio. Esqueci-me de o pôr, veja lá!
A menina, que é tudo menos menina, porque o tempo não pára e as meninas já não são ela, olha em volta e promete avisá-la quando forem horas.
A sala não é muito grande, tem cadeiras, guichets, gente a pedir consulta, gente a dizer que tem que esperar e a pedir o cartão e, de vez em quando, alguém que grita "Senhor Fulano de Tal, o Senhor Doutor está à espera no gabinete três".
Rapidamente se observa o espaço. Nada tem de especial, é igual a tantos outros, tantos por esses hospitais fora. Cheira a medicamentos, a desinfectante, a dor. Está cheio de histórias de vidas, de tristezas, de televisões a emitir programas encantadores (encanta+dores), de homens e mulheres que carregam às costas o peso dos anos.
Nisto, chega outra paciente. Conhece a primeira. Sentam-se a conversar. A "menina" ouve-as mesmo que não queira, estão lado a lado e, também, não são conversas para ficar guardadas, são assuntos banais.
-Olha, tenho que tomar o remédio às dez horas. Esta menina diz-me quando forem horas. Ainda há gente simpática!
A outra anuiu. Olhou-a de alto a baixo e comentou:
-Ficam-te bem essas calças!
-Tenho outras, azuis. Olha, é verdade, no outro dia dei-te apenas dois limões. Fiquei tão aborrecida!
-Fiz um chazinho!
-Quando entrei na cozinha e vi ainda um limão na fruteira, pensei "Olha, só lhe dei dois!"
Limão para aqui, limão para ali, a conversa seguia, as palavras ligadas umas às outras, coladas, em fila para sairem, brotarem de vidas preenchidas.
A "menina", que tinha chegado primeiro, despachou-se uns bons dez minutos antes das dez. Pelo sim pelo não, apesar de o medicamento poder esperar, que a conversa cura mais que o comprimido, avisou "Faltam dez para as dez, é que tenho que me ir embora". E foi.
Se tomou ou não o remédio, que importa? Isso pode até esperar, que a converasa com a amiga faz bem melhor à alma, tal como encontrar meninas simpáticas com quem meter conversa, tal como ver gente, nem que seja numa sala de espera de um hospital, tudo é melhor que estar só, em casa, entregue às pequenas tarefas, já poucas, a ouvir apresentadores que transportam alegrias, a olhar para a fruteira da cozinha com meia dúzia de maçãs e um limão, que ficou por dar!

2 comments:

janica said...

Ena! Que isto é que é um tal escrever...

Quando comecei a ler este post fiquei com a ideia de déjavu. Só depois de o ler inteiro é que me lembrei que tinha ouvido a história ao vivo. Contada pela Mãe Cruja! :)

Um beijinho

Nani said...

Palavras ... o medicamento que ainda não se vende!!! Mas que muita falta faz...