o meu Avô é dos grandes homens da minha Vida. comecei por pensar que, ser avô, era ser como o meu, talvez por nunca ter conhecido o Avô Joaquim. mas, não, ser avô é muitíssimo menos do que o meu Avô sabe ser.
ao crescer, tenho tido consciência das minhas referências, das pessoas que vieram para se deixar estar intensamente em mim. e ele é uma delas. sou o que sou, ou tenho sido o que sou, só porque o Avô - este, concretamente - existiu comigo.
foi o nosso (também da Fipó e dos meus primos) orientador de teatro. remeto-me para 1987 e reencontro-nos a fazer espectáculos para toda a família ainda nos Verões da casa do Tio Jica. lembro-me que a nossa motivação grande era o dinheiro que cobrávamos de bilhete; sei, agora, que, para os adultos, o entusiasmo construía-se no encanto original de haver quem orientasse os dias de maneira tão maior.
foi quem me ensinou a fazer disparar pressões de ar! e foi por isso que tão feliz fiquei quando, nas festas da terra do Rui, há uns meses, venci o torneio de tiro do meu escalão, mais de dez anos depois de ter atirado pela última vez!!
ensinou-nos as primeiras asneiras, bem às escondidas da Avó, que apenas lia indecência na coisa! nós divertíamo-nos, tomávamos o sabor à rebeldia, sem esquecer quando a não podíamos arriscar.
lembro-me de me ensinar a nadar, e de avaliar os nossos saltos para a água, bem como os pinos e as cambalhotas. tenho sempre presentes as estórias da ginástica artística, e dos saltos de cavalo, e de o imaginar, tão elegante como na fotografia do casamento, fardado, sublime, nestas façanhas de homem de cavalaria. gostava especialmente de lhe agarrar no músculo do braço e de quase me pendurar lá, naquela dureza redonda que me fascinava. e lembro-me sempre do silêncio que nos exigia na hora sagrada do noticiário, quando mudava de hábito e se vestia, quase estranhamente, de sério. ainda hoje faz do barulho sacrilégio, se é tempo de notícias!
também trago as lengalengas (que escrevi, que a minha memória é bem pior!!) e a imagem dos desenhos (foi sempre tanto o talento!) e as dedicatórias que me escrevia em dia de aniversário (brilhante, a Sinfonia dos M's!) e a batatada do Avô (...;)) e os desafios de matemática pelos quais nos esfolávamos até beber o sumo do resultado certo! e as esculturas romanas e os figos da índia que comíamos sem nos picarmos directamente colhidos da planta!!e a biologia e a geologia e a zoologia! e a guerra de almofadas nas madrugadas quentes de Verão, quando os mosquitos não paravam de nos incomodar e tínhamos, como dever, proteger o nosso leito! e as estórias de guerra ao amanhecer, e as índias e as áfricas, e a pergunta indiscreta que fui teimando em fazer, sem perceber, na minha pequenez, que não era nunca para ser feita. e a hermenêutica dos astros connosco em chão de relva!
o meu Avô tem quase 90 anos e ainda joga às cartas no computador. e vai à caça, e faz origami, e sombras chinesas e truques de magia. e enche uma sala inteira, porque é um homem de riso e de estórias.
e foi este meu Avô que, há duas semanas, quando pela última vez estive no Alentejo, do alto do seu olhar atento e quase clínico, me disse: "- Dadida, tens mais um quilinho!!"... não só porque veio dele, mas também por ser efectivamente verdade, fechei-me, desgostosa, naquela tarde. e desde então redobrei o esforço. mas, olhem, até agora, nada de nada!!!