Wednesday, February 28, 2007

O meu Avô

o meu Avô é dos grandes homens da minha Vida. comecei por pensar que, ser avô, era ser como o meu, talvez por nunca ter conhecido o Avô Joaquim. mas, não, ser avô é muitíssimo menos do que o meu Avô sabe ser.
ao crescer, tenho tido consciência das minhas referências, das pessoas que vieram para se deixar estar intensamente em mim. e ele é uma delas. sou o que sou, ou tenho sido o que sou, só porque o Avô - este, concretamente - existiu comigo.
foi o nosso (também da Fipó e dos meus primos) orientador de teatro. remeto-me para 1987 e reencontro-nos a fazer espectáculos para toda a família ainda nos Verões da casa do Tio Jica. lembro-me que a nossa motivação grande era o dinheiro que cobrávamos de bilhete; sei, agora, que, para os adultos, o entusiasmo construía-se no encanto original de haver quem orientasse os dias de maneira tão maior.
foi quem me ensinou a fazer disparar pressões de ar! e foi por isso que tão feliz fiquei quando, nas festas da terra do Rui, há uns meses, venci o torneio de tiro do meu escalão, mais de dez anos depois de ter atirado pela última vez!!
ensinou-nos as primeiras asneiras, bem às escondidas da Avó, que apenas lia indecência na coisa! nós divertíamo-nos, tomávamos o sabor à rebeldia, sem esquecer quando a não podíamos arriscar.
lembro-me de me ensinar a nadar, e de avaliar os nossos saltos para a água, bem como os pinos e as cambalhotas. tenho sempre presentes as estórias da ginástica artística, e dos saltos de cavalo, e de o imaginar, tão elegante como na fotografia do casamento, fardado, sublime, nestas façanhas de homem de cavalaria. gostava especialmente de lhe agarrar no músculo do braço e de quase me pendurar lá, naquela dureza redonda que me fascinava. e lembro-me sempre do silêncio que nos exigia na hora sagrada do noticiário, quando mudava de hábito e se vestia, quase estranhamente, de sério. ainda hoje faz do barulho sacrilégio, se é tempo de notícias!
também trago as lengalengas (que escrevi, que a minha memória é bem pior!!) e a imagem dos desenhos (foi sempre tanto o talento!) e as dedicatórias que me escrevia em dia de aniversário (brilhante, a Sinfonia dos M's!) e a batatada do Avô (...;)) e os desafios de matemática pelos quais nos esfolávamos até beber o sumo do resultado certo! e as esculturas romanas e os figos da índia que comíamos sem nos picarmos directamente colhidos da planta!!e a biologia e a geologia e a zoologia! e a guerra de almofadas nas madrugadas quentes de Verão, quando os mosquitos não paravam de nos incomodar e tínhamos, como dever, proteger o nosso leito! e as estórias de guerra ao amanhecer, e as índias e as áfricas, e a pergunta indiscreta que fui teimando em fazer, sem perceber, na minha pequenez, que não era nunca para ser feita. e a hermenêutica dos astros connosco em chão de relva!
o meu Avô tem quase 90 anos e ainda joga às cartas no computador. e vai à caça, e faz origami, e sombras chinesas e truques de magia. e enche uma sala inteira, porque é um homem de riso e de estórias.
e foi este meu Avô que, há duas semanas, quando pela última vez estive no Alentejo, do alto do seu olhar atento e quase clínico, me disse: "- Dadida, tens mais um quilinho!!"... não só porque veio dele, mas também por ser efectivamente verdade, fechei-me, desgostosa, naquela tarde. e desde então redobrei o esforço. mas, olhem, até agora, nada de nada!!!

7 comments:

Tata said...

Li de um fôlego e fiquei sem palavras... esmagada pela força que as tuas têm.
Os olhos já se me fecham, porque hoje foi dia de Festa da Escola, mas prometo voltar aqui amanhã.

marta said...

Está tão giro este texto do teu avô... não tenho recordações de nenhum dos meus, mas as tuas até têm barulho. ;) *

Tata said...

O prometido é devido... e por isso aqui estou.Mas não vou demorar-me, pois tenho a cabeça cheia de teatro e de poesia, de som e luzes e palco e gritaria de gente nova. Logo é o sarau!
Volto amanhã.

Martunis said...

É impressionante as palavras que escreveste ao/do teu avô. Fez-me recordar...

...a relação que tinha com a minha avó: ela era assim.

Obrigado

picalima said...

quando as estórias são assim deliciosas, não interessa nada quanto pesam :)

Isaura said...

Tb o meu avô é muito especial p mim. Várias estórias da minha história têm-no a ele como protagonista das minhas aventuras das férias de verão. Loucuras e tontices que só mesmo um avô muito muito querido e de uma generosidade infinita poderia tolerar e colaborar! Ai, que saudades...Cresci (e até casei!) e ele envelheceu. Nada volta a ser como foi, mas o amor que por ele nutro, esse só cresce...
Os avôs são uma entidade muito importante no nosso crescimento, na nossa vida. Faz amanhã 3 semanas e lá estava ele, choroso mas muito feliz e a dizer "Oh Inês, ainda não me apresentaste o teu marido!", eu respondi meio a brincar "Hoje, avô!" e não é que saiu uma gargalhada!!!
Quanto ao resto...sei bem o que vives, eu vivo...diariamente fazer o que estiver ao nosso alcance, o resto...não é só por aí...;-)

Maggs said...

razão tens! de facto, não é só por aí!! e saiu nova gargalhada agora! ;)